Gabriela de Queiroz, ex-Microsoft, fala sobre demissões, corrida da IA e as mentiras das Big Tech

Gabriela de Queiroz chegou ao Vale do Silício há treze anos com um objetivo bem direto: aprender os termos técnicos da sua área em inglês. Desde então, trilhou um caminho intenso: foi cientista de dados, passou por várias startups e mergulhou de vez no universo da inteligência artificial durante sua passagem pela IBM. Quando a IA ganhou os holofotes em 2022, ela já estava na Microsoft, onde liderou um time voltado ao uso da tecnologia por estudantes. Depois, encarou outro desafio: tinha apenas três meses para mudar a percepção dos fundadores de startups do Vale sobre a Microsoft, ou seja, convencê-los a olhar para a empresa com outros olhos e a usar seus produtos. Deu tão certo que o trabalho foi escalado de São Francisco para o mundo. Mesmo assim, Gabriela acabou demitida, junto com outras 6 mil pessoas, no primeiro dos dois cortes mais recentes realizados pela Big Tech. Na visão dela, ironicamente, quem foi cortado era justamente gente altamente qualificada, com um nível técnico que a IA ainda está longe de alcançar. “É uma parte bem humana”, resume.
Para Gabriela, a IA ainda não provocou grandes mudanças nos bastidores da Microsoft. A empresa tem apostado nos produtos com inteligência artificial, mas quando se olha para dentro, muitos processos seguem mecânicos e burocráticos. Um exemplo está nos relatórios de despesas com cartões corporativos em viagens, que continuam sendo feitos manualmente. Em contrapartida, existe sim uma pressão para que os funcionários conheçam e aprendam a usar as ferramentas para turbinar a produtividade. Mas, segundo ela, a tal “guerra do código”, com big techs disputando quem gera mais linhas com IA, tem mais a ver com ganhar espaço na mídia do que com resultados reais. O que mudou, de fato, foi a imagem da Microsoft no mercado. A empresa, que por muito tempo ficou à margem da conversa sobre inovação, agora é reconhecida como uma das protagonistas quando o assunto é IA. Ainda não lidera o jogo, mas entrou no radar.
Para Gabriela, a chegada de Donald Trump à presidência representou um retrocesso nos avanços que o setor de tecnologia vinha conquistando na área de diversidade e inclusão. Um dos impactos mais visíveis foi o fechamento de organizações criadas para apoiar a entrada de grupos minorizados no setor. Sem o apoio financeiro das big techs, muitas dessas iniciativas perderam força e acabaram encerrando suas atividades. Ela também percebeu mudanças no dia a dia das empresas: atitudes machistas, que pareciam ter ficado no passado, voltaram a aparecer com mais frequência. Enquanto a Microsoft seguiu tocando seus projetos voltados para diversidade, empresas como o Google e a Salesforce chegaram a se posicionar publicamente, sinalizando um novo rumo — menos comprometido com a inclusão.O avanço das tecnologias e o envolvimento cada vez mais profundo dos mais jovens com a IA tem acendido um sinal de alerta para Gabriela. Segundo ela, muitos têm dificuldade de construir raciocínios mais complexos, e a interação entre as pessoas já não é mais como antes da popularização das ferramentas de IA. Há, inclusive, uma percepção preocupante entre jovens criadores de startups de que os humanos - e suas conexões - seriam dispensáveis. Ainda assim, dois mundos coexistem no Vale do Silício. De um lado, o impulso pela inovação e a pressa em liderar o desenvolvimento tecnológico; de outro, em pequenas rodas, resiste a necessidade de discutir ética, limites e governança. O problema, segundo Gabriela, é que essa discussão ainda é frágil, e frequentemente atropelada pela euforia da “corrida do ouro” da inteligência artificial.